a) Justificativa
Nos últimos anos, uma extensa bibliografia tem se dedicado à análise do papel das cidades frente às mudanças climáticas, reconhecendo que esses ambientes urbanos: (i) são responsáveis por altas fontes de emissão de GEE (IPCC, 2014); (ii) cumprem importante papel no enfrentamento da crise ambiental e climática (Seto et al., 2010; Bulkeley, 2010; Rosenzweig et al., 2018; Romero-Lankao et al., 2018); (iii) podem dar impulso às mudanças de paradigmas em relação aos processos de produção e gestão do espaço urbano (Lefebvre, 2014); (iv) se constituem em lócus ideal de experimentações de novas tecnologias e soluções direcionadas a diversas questões da atualidade (Bulkeley et al., 2010); e, (v) são importantes na elaboração e condução de estratégias de enfrentamento associadas à mitigação e adaptação climática (Aylett, 2014; 2015; Ryan, 2015; Anguelovski et al., 2016; Broto, 2017; Rosenzweig et al., 2018; Romero-Lankao et al., 2018).
Um conjunto de resultados de políticas internacionais tem enfatizado o papel das cidades como núcleo de experimentos relacionados à habitabilidade, sustentabilidade e mudanças do clima. O Acordo de Paris (2015), a adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável com os ODS 11 e 13 (ONU) e a Nova Agenda Urbana (ONU-Habitat), por exemplo, sinalizam desafios e oportunidades em diferentes níveis para as cidades, estimulando iniciativas criativas e inovadoras, reconhecendo que os governos locais são importantes atores nesses processos de transição para a sustentabilidade urbana e no planejamento efetivo de adaptação (Chu et al., 2016, 2017; Di Giulio et al., 2019).
No Brasil, onde mais de 80% da população vive em ambientes urbanos, as cidades são foco de atenção particular quando o tema é mudança do clima, especialmente porque concentram as áreas mais suscetíveis a enfrentarem os impactos mais severos das alterações climáticas, como elevação do nível médio do mar (em cidades costeiras) e eventos extremos de precipitação e temperatura (Lapola et al., 2019; Darela-Filho et al., 2016; Ambrizzi et al., 2012). Episódios recentes relacionados a esses eventos evidenciam que as alterações na distribuição, intensidade e frequência geográfica dos riscos relacionados às condições meteorológicas ameaçam exceder as capacidades das cidades brasileiras de absorverem perdas e recuperarem-se dos impactos. Esses impactos tendem a exacerbar os riscos comumente existentes nas cidades brasileiras, bem como as inadequações nas capacidades dos governos locais para tratarem dos déficits na infraestrutura e no oferecimento de serviços básicos necessários, agravando as condições de vulnerabilidade de determinados grupos sociais e comunidades (Travassos et al., 2020).
Ainda que tenha investido esforços para integrar a questão climática em suas políticas e diretrizes, o Brasil como um todo desempenha papel conservador nesta temática (Basso & Viola, 2017) e poucas são as cidades brasileiras que já incorporaram nas suas agendas as mudanças do clima como norteadoras de políticas públicas e condutoras de ações (Barbi, 2015; Simões et al., 2017; Di Giulio et al., 2019). Se, de um lado, fatores cognitivos (incluindo percepções de risco), recursos e elementos organizacionais são importantes para implementar transformações e conduzir ações proativas de adaptação nas cidades brasileiras, de outro, e com maior peso, a interdependência entre as mudanças do clima (com seus riscos, vulnerabilidades, incertezas e negacionismos), as dinâmicas do planejamento urbano e as questões políticas tem sido determinante para atrasar e dificultar os processos de ajustamentos que podem antever/antecipar impactos adversos das mudanças climáticas e resultar na redução da vulnerabilidade (Di Giulio et al., 2019).
Embora melhorias nos níveis de renda, educação, saúde e outros indicadores socioeconômicos – as chamadas capacidades genéricas – sejam importantes para reduzir a vulnerabilidade às mudanças do clima em geral, considerando o conjunto de riscos específicos que as alterações climáticas representam para as cidades (por exemplo, inundações, secas, aumento do nível do mar, ilhas de calor), há também uma necessidade urgente de considerar as capacidades específicas necessárias para superar e se recuperar desses estressores, incluindo, por exemplo, mapeamentos de áreas de risco, sistemas de alerta precoce e planejamento de enfrentamento a desastres naturais (Eakin et al., 2014). Compreender como essas capacidades se combinam e afetam diferentes cidades – em termos de tamanho, indicadores socioeconômicos e infraestrutura – é fundamental para apoiá-las na preparação, resposta e adaptação às mudanças climáticas.
Esse entendimento é ainda mais crítico considerando o crescimento rápido dos assentamentos urbanos e o próprio processo de urbanização desordenada que caracteriza, em geral, a maioria das cidades brasileiras. Ainda que apresentem suas especificidades, em comum os municípios são marcados por uma legislação urbanística ainda muito descolada das dinâmicas urbanas e da produção do espaço urbano, e pela desarticulação de políticas setoriais, como as relacionadas à preservação e qualidade ambiental e habitação, o que dificulta a qualificação integrada do espaço urbano (D’Almeida, 2016), tornando o processo de atualização e/ou adaptação complexo e lento. A segregação socioespacial também é outra característica marcante, sobretudo nos grandes centros urbanos (Franco et al., 2015; Carlos, 2004; 2017). Somam-se a esses problemas, os episódios de alagamentos e efeitos da ilha de calor, ambos associados à redução das áreas verdes e à expansão histórica das áreas urbanizadas, agravados nas últimas décadas pelas mudanças do clima (Nobre et al., 2010; Ambrizzi et al., 2012; Assad & Magalhães, 2014), tornando esses eventos cada vez mais frequentes.
Estudos focados em adaptação urbana mostram que os processos adaptativos são estreitamente dependentes da disposição dos atores (particularmente dos atores institucionais nos níveis subnacionais e locais) de empreenderem medidas adaptativas, da capacidade de implementar e disponibilizar recursos de maneira apropriada, e do arranjo de condições que podem facilitar ou dificultar a consolidação de iniciativas (Chu et al., 2016; Araos, 2016; Broto, 2017; Chu et al., 2017; Romero-Lankao et al., 2018; Runhaar et al., 2018; Di Giulio et al., 2019).
No caso do Brasil, onde o planejamento de adaptação eficaz ainda depende muito dos esforços municipais, os governos locais muitas vezes não têm capacidade institucional e operam dentro de estritas limitações de recursos (Barbi, 2015). Mesmo nas grandes cidades, é também comum que as gestões públicas careçam de dados e recursos de planejamento para subsidiar ações e políticas públicas (Di Giulio et al., 2018). E o mais crítico, há pouca expectativa de que esses recursos possam se materializar de forma rápida e ampla o suficiente para ajudar efetivamente as cidades a agirem agora.
A falta de dados e informações úteis e utilizáveis, que possam ser mobilizados para subsidiar gestão, planejamento e governança (Meadow et al., 2015), é frequentemente identificada como uma das principais barreiras para o avanço da adaptação às mudanças climáticas, traduzindo-se em paralisia e inação por parte dos tomadores de decisão (Briley et al., 2015). Nesse contexto, tão importante quanto a capacidade de produzir informação técnico-científica que seja facilmente convertida em estratégias, políticas e ações de adaptação, é promover maior envolvimento dos usuários da informação (os atores institucionais, por exemplo) na produção e circulação do conhecimento (Dilling e Lemos, 2011; Arnott et al., 2016; Wamsler, 2017; Serrao-Neumann et al., 2020). É nesse contexto e a partir dessas necessidades identificadas que esse projeto de pesquisa se ancora.
Com a experiência de uma ampla rede interdisciplinar de pesquisadores que têm buscado avaliar impactos climáticos em grandes centros urbanos no Brasil e compreender como as cidades brasileiras têm incorporado a questão climática nas suas agendas, o projeto proposto, financiado pelo CNPq com vigência de 2021 a 2024, busca avançar na produção, validação e aplicação de índices e indicadores para avaliação: (i) de vulnerabilidade socioclimática; (ii) de risco aos impactos de eventos extremos climáticos; (iii) do potencial de adaptação e capacidade adaptativa; e (iv) do processo de transformação urbana no contexto brasileiro. À luz da literatura atual sobre mudanças climáticas e cidades e dos avanços analíticos alcançados nos últimos anos por essa rede interdisciplinar, os instrumentos propostos neste projeto serão desenvolvidos, aprimorados e aplicados na perspectiva de prover informações que possam ser utilizadas pela gestão pública (nos seus diferentes níveis de governo) para melhorar a sustentabilidade urbana e, ao mesmo tempo, fortalecer a capacidade adaptativa dos municípios brasileiros. As informações geradas serão disponibilizadas na Plataforma AdaptaBrasil, buscando colaborar com esse esforço institucional para o mapeamento, identificação e consolidação das informações relacionadas aos riscos de impactos causados pelas variações extremas do clima no sistema natural e social do país, visando informar e subsidiar o planejamento estratégico e a tomada de decisão.
Além de fomentar e ampliar a rede de pesquisadores colaboradores, integrando colegas de diversas universidades brasileiras (UNIFEI, UNICAM, UFAM, UFRN, UFRGS, UFES, UFPR), nosso projeto busca fomentar também parcerias internacionais, com as que temos desenvolvido com pesquisadores das seguintes instituições: University of Michigan, USA; University of Waikato, NZ; WMO; Universidade IUAV de Veneza - TA; University of York. Buscamos ainda contribuir para a formação de recursos humanos, envolvendo estudantes de graduação e pós-graduação nas atividades.
b) Cronograma de execução
Este subprojeto está estruturado nas seguintes etapas metodológicas:
- Revisão de literatura – refinamento do arcabouço teórico-analítico que vem sendo construído pela rede de pesquisadores;
- Pesquisa documental – Consultas e análises de bases de dados sociodemográficos, climáticos e biogeofísicos para o desenvolvimento dos instrumentos propostos e sua aplicação;
- Construção de mapas com a utilização de softwares de Sistema de Informação Geográfica (SIG);
- Realização de workshops interativos para discussão, refinamento e validação dos instrumentos propostos:
- Workshop - Plataforma AdaptaBrasil (MCTI)
- Workshop - (INCT-MC)
- Workshop - organizações não-governamentais (como C-40 e ICLEI)
- Workshops - atores institucionais da gestão pública dos municípios brasileiros selecionados;
- Realização de reuniões da rede de pesquisadores;
- Produção de publicações científicas e relatórios técnicos;
- Divulgação científica.
c) Fontes de financiamento previstas
- Projeto "CiAdapta 2: uma abordagem interdisciplinar para desenvolvimento de índices e indicadores de vulnerabilidade aos riscos climáticos e de adaptação urbana no contexto brasileiro". Chamada 23/2020 - Linha 1 Financiamento: CNPq Processo: 441267/2020-3. Vigência: início: 18/02/2021 fim: 29/02/2024 Bolsa de Produtividade. Processo: 311503/2020-9.
- Chamada CNPq Nº 09/2020 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa Modalidade: PQ, Categoria/Nível: 2.
- Projeto "Avançando com o nexo Água-Energia-Alimentos para a adaptação às mudanças climáticas". Acordos de Cooperação/SPRINT - São Paulo Researchers in lnternational Collaboration SPRINT - Projeto de Pesquisa - Mobilidade - Edição 2019/04 - Universities New Zealand FAPESP. Vigência: 2022 a 2024.
d) Resultados e impactos esperados
O subprojeto do NAP busca avançar na produção, validação e aplicação de índices e indicadores para avaliação: (i) de vulnerabilidade socioclimática; (ii) de risco aos impactos de eventos extremos climáticos; (iii) do potencial de adaptação e capacidade adaptativa; e (iv) do processo de transformação urbana no contexto brasileiro. À luz da literatura atual sobre mudanças climáticas e cidades e dos avanços analíticos alcançados nos últimos anos por essa rede interdisciplinar, os instrumentos propostos neste projeto serão desenvolvidos, aprimorados e aplicados na perspectiva de prover informações que possam ser utilizadas pela gestão pública (nos seus diferentes níveis de governo) para melhorar a sustentabilidade urbana e, ao mesmo tempo, fortalecer a capacidade adaptativa dos municípios brasileiros. As informações geradas serão disponibilizadas na Plataforma AdaptaBrasil, buscando colaborar com esse esforço institucional para o mapeamento, identificação e consolidação das informações relacionadas aos riscos de impactos causados pelas variações extremas do clima no sistema natural e social do país, visando informar e subsidiar o planejamento estratégico e a tomada de decisão.
Os resultados serão divulgados na forma de publicações científicas em importantes revistas nacionais e internacionais, contribuindo para o debate internacional sobre cidades, mudanças climáticas, vulnerabilidades e adaptação.
Ao desenvolver e aprimorar indicadores, índices e mapas de vulnerabilidade das localidades estudadas, com base no SIG, será possível agregar e sumarizar um conjunto de informações que comparam dimensões relativas de risco por meio de áreas espaciais demonstradas graficamente. Esses instrumentos são de grande valia para uma orientação em primeira instância dos tomadores de decisão sobre onde focar esforços de adaptação às mudanças climáticas no território nacional e, em particular, nas cidades estudadas em profundidade.
No que tange aos aspectos metodológicos, ao testar diferentes métodos e envolver a colaboração de pesquisadores de diferentes campos de conhecimento e de instituições de pesquisa, este projeto privilegia uma abordagem quali-quanti, buscando investigar criticamente problemas complexos que requerem uma abordagem integrada e interdisciplinar. Os resultados dessa articulação permitem não apenas compreender as dinâmicas investigadas no nível local, mas pensá-las e confrontá-las à luz de uma perspectiva mais global. O subprojeto tem o potencial de criar um conceito de método que poderá ser aplicado posteriormente em outras localidades, sobretudo em países em desenvolvimento.
e) Atividades de internacionalização
Realização de reuniões científicas com os colegas das universidades internacionais envolvidos no projeto; produção colaborativa de artigos e trabalhos científicos; prospecção de editais para financiamentos de futuras pesquisas.
f) Palavras-chave do subprojeto
Adaptação climática; Sustentabilidade; Indicadores; Vulnerabilidade; Riscos.